quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Duplo Padrão

No jornalismo, há um assunto que está mais perto da questão ética do que da ideológica, é o chamado padrão profissional. Esse nada mais é que a aplicação direta dos valores éticos sobre as regras de trabalho. Vejamos o que seria isto: “se a ‘verdade’ é o valor ético, a ‘exatidão’ é o padrão e a checagem dos fatos torna-se uma regra de trabalho... se a ‘justiça’ é o valor ético, então o ‘equilíbrio’ é o padrão, e ouvir a outra versão da história passa a ser a regra”.
Num seminário organizado pela USP há alguns anos atrás, onde se discutiu sobre ética na imprensa, foi feito uma pesquisa com os participantes sobre a atuação do jornalista brasileiro. Quase 80% disseram que, com freqüência, fazem-se reportagens que defende ou acusa uma pessoa em especial, um partido político ou instituição e que, inventar informações ou declarações para melhorar a reportagem, realmente ocorre. Para 40% dos pesquisados, praticamente todos ligados ao jornalismo, existem profissionais da imprensa que aceitam pagamento por cobertura noticiosa positiva ou negativa.Comportamento distorcido, por conveniência ou outro motivo qualquer, de parte da imprensa do nosso país realmente não é incomum, principalmente, o chamado "duplo padrão". Conhecido nos Estados Unidos por “Double Standard”, é mais popular por aqui como "dois pesos e duas medidas". Certo é que se trata de um vergonhoso fenômeno seja aqui ou em qualquer lugar, onde fica claro que a "ética do dono de jornal" é aquela preconizada pelo Barão de Itararé, segundo o qual "jornal bom é o que se vende, nos dois sentidos”. Os tratamentos desiguais dados a casos semelhantes, ante as pessoas envolvidas, acabam levando ao descrédito vários órgãos de imprensa. Muitos profissionais da área (empregados ou “free lancer”) acabam por se sucumbirem em qualquer tentativa de praticarem sua profissão com dignidade, como indicado pelo seu Código de Ética, devido ao fato de existir uma "ética do jornalista" e outra do "dono do jornal”.Peguemos como exemplo um caso nacionalmente conhecido, o do filho do senador Renan Calheiros (cabe ressaltar que estamos falando somente no que diz respeito à paternidade, não estamos versando sobre a forma de pagamento da pensão, caso de polícia). Outros casos semelhantes no mundo dos famosos foram quase todos divulgados pela imprensa. Temos a filha do Lula, quem passou dos trinta conhece bem a história, os rebentos do Maluf, dos reis da jovem guarda e do futebol, todos esses por muito tempo rondaram as páginas dos jornais e revistas. Mas, em relação ao episódio do suposto filho adulterino do ex-presidente FHC com uma repórter da TV Globo, Miriam Dutra, “exilada” na Espanha, o silêncio foi quebrado pela internet. Sobre esse assunto, o jornalista Eliakim Araújo, editor-chefe do Direto da Redação diz: “A imprensa brasileira está moralmente obrigada a fazer um mea culpa”. Qual será o motivo do tratamento desigual que se dá a casos semelhantes?
Vejamos alguns, de mais de uma centena de exemplos possíveis, do emprego do "duplo padrão" por aqui. Escancarado em primeira página com desdobramento na policial vimos a seguinte manchete: “Médico em Passos acusado de racismo”, porém, sempre com sujeito oculto. O episódio poderia até ser julgado como certo, por respeito aos preceitos do Código de Ética do jornalista, que diz em seu art. 14: “O jornalista deve: a) ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas, objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas; b) tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar; e Art. l5 - O jornalista deve permitir o direito de resposta às pessoas envolvidas ou mencionadas em sua matéria, quando ficar demonstrada a existência de equívoco ou incorreções”, não fosse o fato de que em acontecimento semelhante o tratamento dispensado pelo mesmo veículo de imprensa, a uma outra pessoa, ter sido tão diferente. Com toda certeza, se a denunciante não foi vítima de racismo como alega, pelo menos pelo jornal essa foi discriminada. Pois quando a acusação partiu do Vereador Alexandre de Almeida, deu-se como verdadeira e não se poupou o nome do acusado, o que reafirma as palavras do Rei Pelé: “o preconceito no Brasil é mais social que racial, sofri sim, quando era pobre”. Por falar nisso, volto a lembrar que o Vereador “ofendido” não entrou com nenhum processo, não pediu a fita da seção, nunca foi atrás do inquérito, ou seja, reafirmo pela terceira vez que o seu intuito era somente a reportagem, ou seja, política rasteira e patrocinada. A imprensa, que tem responsabilidade pelo que noticia, ou pelo menos deveria ter, também pode ser responsabilizada quando omite informação, mesmo tendo tomado conhecimento do assunto? Com relação ao vereador citado anteriormente, temos outro caso de duplo padrão, confirmando, que assim como seu aliado na Câmara Municipal, esse também mantém relação íntima e de inteira cumplicidade com parte da imprensa passense. Tem sido claramente ocultado o vergonhoso e ilegal contrato firmado por este com seus assessores, tratando a coisa pública como “privada”. Se fosse seguir a mesma linha de pensamento e tratamento “jornalístico” padrão daquela empresa jornalística, não teríamos aqui um caso de gate qualquer? . . . . . gate. Poderíamos ainda falar sobre o duplo padrão usado em relação a cidades, mas isso é uma longa história, que podemos tratar depois. “Desconfiai do mais trivial, na aparência singela”.

Nenhum comentário: