domingo, 6 de janeiro de 2008

A partida que nunca terminou


O ano é 1987 (há exatos 20 anos), a cidade é Belo Horizonte, chamada a capital de todos os mineiros, até mesmo daqueles que apesar do amor por seu Estado, tem uma eterna paixão no Rio. Numa quarta-feira quente do final daquele ano aconteceu uma histórica partida de futebol, daquelas que nunca se apaga da memória. Um jogo que nunca terminou, pois estará sempre vivo na mente de quem teve o privilégio de assisti-lo. No estádio então, nem se fala.
Poderia ser somente uma semifinal de campeonato, no caso, da chamada Copa União, nome pelo qual ficou conhecido o módulo verde do Campeonato Brasileiro de 1987, organizado pelo Clube dos 13, uma associação que congregava os principais clubes do futebol brasileiro daquela época (Cruzeiro, Atlético/MG, Vasco, Corinthians, São Paulo, Palmeiras, Flamengo, Santos, Fluminense, Botafogo, Internacional, Grêmio e Bahia). Completavam ainda o campeonato os convidados, Goiás, Coritiba (curiosamente é assim mesmo que se escreve) e o Santa Cruz. Para os mais novos entenderem melhor essa história, esses clubes se reuniram nesta associação sob a presidência do São Paulo e, apesar das ameaças de desfiliação por parte da CBF, com o apoio da FIFA, agregaram um novo elemento ao futebol brasileiro, o marketing. A Copa União foi o embrião do atual modelo de Campeonato Brasileiro, pois antes tínhamos até 80 clubes na disputa e muito amadorismo.
O Flamengo se sagrou Campeão Brasileiro daquele ano, o tetra até então, porém a CBF acabou declarando o Sport como tal (uma piada), mas isso pouco importa. Hoje vejo como pequeno até mesmo os jogos finais daquele ano. Apesar de terem sido duas belas partidas, contra o sempre muito bom Internacional, na época com goleiro Taffarel em começo de belíssima carreira e o experiente Técnico Enio Andrade, os 1 a 1 no Beira Rio e 1 a 0 no Maraca, com gol de Bebeto, nada se comparam a apoteótica partida semifinal do Mineirão.
Feito todo esse preâmbulo, vamos ao que realmente interessa, o verdadeiro sentido deste texto, a partida de futebol mais emocionante que já presenciei. Eu estava lá, fui um dos mais de 110 mil que foram ao Mineirão naquela noite escaldante, onde os gritos de “vingança” da torcida do Galo, numa alusão a final de 80 ecoavam bem além da Pampulha. A equipe mineira chegava a mais uma semifinal com uma campanha irretocável, um super elenco formado de craques como: Luizinho, Paulo Roberto, Renato, além dos velozes pontas Sergio Araújo e Edvaldo, a segurança de João Leite e vários outros, além de, nada mais, nada menos que Telê Santana no banco, grande comandante da equipe alvinegra.
O time da gávea, o mais querido do Brasil, que ganhara o primeiro jogo no Rio por 1 a 0, com gol de Bebeto, entrou em campo com Zé Carlos; Leandro Silva (que substituía o titular Jorginho), Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Aílton e Zico; Renato Gaúcho, Bebeto e Zinho; o técnico era o pé-quente Carlinhos. Esse elenco era uma seleção, quatro deles seriam campeões do mundo em 1994 nos Estados Unidos, além de termos Zico, nosso maior ídolo. O Galinho de Quintino, com sua camisa 10, ainda assustava os adversários, mesmo nos seus últimos momentos de genialidade em gramados Brasileiros.
Vamos ao jogo propriamente dito. Quando a bola rolou, tivemos um primeiro tempo de arrepiar, o Flamengo passeou em campo, fez dois belos gols, o primeiro de Zico, de cabeça, e o outro com Bebeto. Parecia que o time jogava em seus próprios domínios. Os zagueiros do Galo não entendiam por onde passavam os atacantes Renato Gaúcho e o Baianinho Bebeto. No meio campo foi uma aula de Zico, tendo ao seu lado o aplicado Ailton e o mestre Andrade, assim, a etapa inicial acabara mesmo com 2 x 0 para o Mengo. No intervalo, o Mineirão parecia não acreditar naquilo que estava acontecendo, ou melhor, parte dele, porque mesmo em muito menor número nós estávamos lá, ao lado da barulhenta charanga da Raça Rubro Negra, a torcida mais linda do mundo. Comigo estava o amigo Cleiton Piotto, então, antes de contar o segundo tempo, tenho que lembrar um fato engraçado que nos aconteceu naquele dia. Eu e Cleiton fomos para o campo ainda à tarde e passamos o dia no meio da torcida do Galo, na região do Estádio Governador Magalhães Pinto. Na hora de ir para a arquibancada entramos também junto com ela, porém, com muita coragem cruzamos as cordas que dividiam as torcidas e o isolamento feito pela PM, e sob os gritos dos atleticanos com palavras de “elogios”, fomos nos juntar a nação rubro-negra, sendo recebidos com festa.
A segunda etapa mal começara e antes que das torcidas se acomodarem, o Galo fez um gol com Chiquinho, lateral direito. Esse tento deu novo alento a fanática e atormentada torcida do Atlético, pois o time necessitava tão somente da vitória simples. Num lance onde a defesa do Flamengo ficou parada depois de uma falta na região da intermediaria, o Galo cobrou rapidamente e Sérgio Araújo empatou a partida. O Mineirão virou um caldeirão novamente, nós na torcida e o time do Flamengo em campo parecíamos meros coadjuvantes, estávamos ali somente para testemunhar a desforra esperada há sete anos. O grito da torcida voltara com tudo naquele momento, pois mais um gol e a “vingança” seria completa, ainda com direito de devolver o placar da final de 80, os entalados 3 a 2.
Contudo, o Flamengo atuava como Flamengo, senão pelos poucos minutos de apagão que permitiu o empate, e uma chance com o Renato “pé murcho” que o Zé Carlos defendeu com o pé, o time volta a se encontrar em campo. Jogando com garra e muita categoria confirmou as previsões que fiz aos amigos, em especial ao meu primo, Dr. Nilo (pra nós Nilinho), que ficou no apartamento e não foi ao jogo, um arrependimento que carrega até hoje. O técnico Carlinhos mexeu no time colocando Flávio, um volante clássico, contudo, ao entrar no lugar de Zico, todo mundo pensou que era somente para segurar o empate. Ledo engano, o rapaz sabia jogar também e, minutos depois, ligou um contra-ataque passando a bola para o Renato Gaúcho que arrancou do meio campo, o zagueiro Batista não conseguiu segura-lo nem mesmo pela camisa, desculpa, no caso específico do Flamengo, é manto sagrado. Então esse entrou na área, driblou João Leite e rolou a bola para o fundo das redes, um dos gols mais lindos que vi. Em seguida, o irreverente ponta, que hoje é técnico do Flu, correu até o banco do Galo e “provocou” o técnico Telê que um ano antes o cortara da seleção que foi a Copa do México.
A partir daí, a torcida do Galo ficou no mais completo silêncio. Nunca me esqueço da gente assistindo o final da partida com o Atlético batido e abatido em campo e o Mineirão se esvaziando ao som do hino mais bonito e tocado do futebol: “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo, Flamengo eu sempre hei de ser, é meu maior prazer, vê-lo brilhar, seja na terra, seja no mar...”, ou ainda, seja nas montanhas de Minas Gerais, “vencer, vencer, vencer, uma vez Flamengo, Flamengo até morrer...”.

“Em homenagem ao Tio Nilo, que não herdou o amor pelo Flamengo, herança do Juca do Lau, mas aprendeu a ser Flamenguista com a gente”.

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